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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Mortes e prejuízos evitáveis

Mortes e prejuízos evitáveis

O noticiário de verão se repete com notícias semelhantes ano a ano. Temos períodos péssimos e outros menos ruins, a essência, entretanto, não muda.
Em 1989, se não me engano, logo no início de meu período como diretor de operação da Copel, precisei dirigir a empresa em meio a uma enchente enorme no vale do Rio Iguaçu. No pico da cheia descobri, perplexo, que apesar dos bilhões de dólares gastos na construção de hidroelétricas ao longo deste rio, quase nada havia sido feito para seu monitoramento e vigilância. Pior ainda, quando os manuais se mostraram inúteis, os mestres e PHDs de hidrologia colocaram nas mãos do engenheiro eletricista a decisão de abrir ou fechar as comportas das usinas. Eles, acompanhando as chuvas, sabiam que no Rio Grande do Sul uma cheia de padrão extraordinário havia atingido o vale do Rio Jacuí, avançando para o norte. Aqui os reservatórios estavam no limite quando esta frente chegou, pois assim determinavam seus queridos manuais. Felizmente, por simples casualidade, o pessoal da Copel estava reunido com o da Eletrosul em Curitiba, facilitando algumas decisões. Tecnologia? Uma fotografia de satélite, de hora em hora, dizia alguma coisa. Medições? Uns três ou quatro barqueiros, além dos operadores das usinas, telefonavam quando podiam dizendo “a quantas” estava o Rio Iguaçu.
Durante o pesadelo, graças a um dos gênios que a Copel de vez em quando produz, Nelson Gomes, fui apresentado à intranet (connect) e em menos de um dia tive em minha mesa um terminal com relatório escrito e atualizado automaticamente da situação das barragens, começando aí uma série de programas corporativos, operacionais, que fizeram da Copel um destaque nacional.
Um mês após a enchente o engenheiro Rogério Moro trouxe-me o Dr. Marcos de Lacerda Pessoa, com pós-doutorado e grande experiência científica no exterior, defendendo a idéia da criação de um sistema de meteorologia no Paraná. Obviamente tinham argumentos fortes e graças a isso, apesar da resistência de alguns, pudemos chegar ao governador Requião e ao secretário Osmar Dias que bancou o projeto, viabilizando o SIMEPAR, ainda incompleto, mas se constituindo na base do que poderá ser um grande sistema de meteorologia e climatologia, ainda mais tendo o apoio, se necessário, do CEHPAR.
No primeiro ano da administração do ex-prefeito de Blumenau Décio Lima vi, sendo consultor dele, chegando à extrema indignação, o abandono de obras estruturais que teriam diminuído a gravidade das enchentes no Vale do Itajaí, isso sem contar com o abandono das barragens após a extinção do DNOS. Algo simplesmente inimaginável em qualquer país sensato aconteceu lá.
As enchentes e o clima violento de Santa Catarina levaram a Tractebel a patrocinar o desenvolvimento de software para previsão de grandes chuvas em micros regiões. Em Blumenau a Defesa Civil tem tradição de competência. Por que não usaram essas e outras ferramentas técnicas para estudos e alertas objetivos? Por que deixaram fazer casas em locais de alto risco, exemplificando?
Pior ainda, por que os mineiros e os fluminenses, habitantes de lugares de tantas universidades e empresas famosas, deixam-se apanhar sem qualquer aviso decente, sem atuação preventiva, por enchentes tão violentas?
Onde, o que é e o que fazem as entidades denominadas “Defesa Civil” e os prefeitos e governadores desses estados?
Nada mais midiático do que mostrar nossas autoridades em mangas de camisa, mostrando espanto, tristeza, surpresa diante da violência da natureza. Aparecem em rede nacional com pronunciamentos emocionantes, mostram-se humanos, deixam de ser simplesmente políticos...
Aliás, seria prudente sabermos com detalhes o que acontecerá em Curitiba, por exemplo, se tivermos em dois dias chuvas de 100, 150, 200, 300 mm. No Vale choveu 200 mm em dois dias, isso a menos de 200 km de distância. Possivelmente, se aqui acontecesse o que existiu no Vale do Itajaí, o número de mortes seria muito maior. Temos áreas de fundo de vale ocupadas, grandes áreas impermeabilizadas, rio de planície, etc. e muito gente exposta a enchentes...
Vendo o que aconteceu em SC, MG e RJ devemos, pois, perguntar: quem falhou? No Paraná, exercitamos a boa engenharia? A Defesa Civil está sabendo o que fazer?

João Carlos Cascaes
Curitiba, 22 de dezembro de 2008.